Amélie
te cantaria
tudo o que tivesse no bolso
ela afinaria o ukulele
e tocaria sem parar
de Bobigny
à Place d’Italie
ela não pararia por palmas, notas
cartões de visita, troca
de turbantes e dentes pretos
por terno e gravata
de sobrevivência e jantar na mesa
por alguns outros
investimentos mais rentáveis
e nem mesmo de Bobigny
por Place d’Italie
ou 20 cigarros
já enrolados
que viessem com
isqueiro e promessa
de 20 outros
mais
Amélie te cantaria
todas as canções
até em chinês
até de gente que ela não sabe
de onde é
e nem sabe cantar
o dedo até sangraria
e as unhas se lascariam
ao meio de lado na diagonal
em seu ukulele
ela aguentaria
a tendinite e o acúmulo de água
e outras substanciazinhas
nos pés de pão
seguindo um repertório
inocentemente estratégico
Amélie botaria
seu melhor vestido
seu melhor sutiã
emprestaria o colar de prata
da Annabel e até
depilaria a perna inteira
pensando na sua
mão tão
curiosa
mas você não viria
e Amélie
na segunda
canção
perdeu a voz, o compasso
e, com gosto de rímel
na língua
desceu na próxima
estação