Sem Som

tens pedido notícias
e talvez o meu
silêncio escreva pelas
palavras

aceitei o risco

não acredito que uma mulher
que caminha
na praia às 6 da manhã
depois de uma noite-vida
possa vir um dia, mesmo que
já sem Culpa
a pisar na mesma areia
e não se doer em berros
secos quando o mar quiser:

– histórias

e também não acho
que um santana cinza-pó que leva dentro
uma família torta
bichos de pelúcia mordidos
desmiolados
ao som de um rádio-chuva

[Laila e Pom, verão de 85]

possa vir a se separar
apesar da inflação e
de que as finanças têm fome
de amor

risquei a caixa ainda em dúvida

disseram que mudei
mas não acredito
foi obrigação
quem é que não muda com os
cronogramas
que somos obrigados a
não
cumprir?

fui forçada pela
ordem
mas à meia-noite
nado contra expectativas e
volto a ser leão

de tempos em tempos
deito embaixo do mundo
pedindo:

– cai

para ventar no fogo que esfrega
as minhas costas por tudo o que

Não Deu

fui ao cinema na sexta e não
me conformei por não morar
dentro de uma canção de blues
em Nashville, talvez,
por não sentar numa calçada
quente
de shorts jeans rasgados comendo fritura
com infinitos dedos, me lambuzando do que
gente que já nasceu morta diz não ser
vital

meus olhos veriam
sem pensar
e minha boca se alargaria
leve como um pássaro
quando a rua é casa
e há um anoitecer-infantil que chega com
vagalumes fios elétricos e tantas outras
delicadezas
dentro da nossa
cidade-interior

haverá possivelmente um senhor
que passará caminhando
com um saco de pães na mão:
ele me lembrará a minha avó
porque tamanha doçura só existe
se há por trás da janela
uma grande e inesquecível
mulher

imagino que o nome dela é Mme Laurent
e ela me falaria
de quando era pequena e se escondia
atrás das cortinas transparentes:

– para que não me achassem,
mas não se esquecessem de
mim

eu pediria pra dançar na sua infância,
me enrolar em transparência
e ver se o leão que carrego
se acalma com a música
e caminha de volta pra selva
sem se esconder pra sempre
numa vida que tento controlar

disseram que aí o sol tem queimado
mas não brilha

ah, Meu Amor,

tens pedido notícias minhas
mas não sou mais pessoa para
contar coisas:
virei ar – e posso
jurar
que fui respirada por alguém,
mas isso é outra coisa…

lembra dos nossos vinte
quando acreditávamos
que pra ser feliz bastava
esquecer?

isso é história de outros carnavais
porque seja aqui ou aí, agora sabes
que quando tu olhares pro céu
de todos os tons que podem existir
dentro de um saquinho de confetes
eu estarei olhando também

a batucada não perde a data, cruza águas
crises econômicas e políticas
abuso de poder
ignorância e até
egocentrismo de classe média
que tinha tudo pra saber, mas prefere ter
tudo o que puder, registrando a decadência
em fotos alteradas

o fuso existe, mas daqui de Paris
eu nunca deixei de sonhar com
um sexto sentido
bem acordada
e a cada amanhecer conto quantos segundos
o sol demora pra chegar da esquina
à quitanda dos indianos
– os números de tempo vão mudando aos
poucos
mas a bondade dos que acordam cedo
pra vender frutas boas
não se mede desse jeito

Meu Amor,
perguntaste como vivo

vivo em busca de um
Silêncio
que quebre o meu mundo em
dois
como um raio
de Chuva de Janeiro
que destrua uma parte e a outra

também

tudo
E x p l o d e
como um sopro de purpurina
eu vou nadar
anônima

longa

alheia

e, quando a festa que criamos
acabar,
estaremos fortes
de mãos dadas
esperando o dia nascer
(por volta das 6 da manhã)
numa praia
dessas onde o mar bate
Sem Som:

nesta hora,
eu vou poder parar
de medir mistérios incalculáveis –
as contas estarão pagas,
e terei entregue todas as minhas
palavras
como flores às ondas que me trouxeram
até aqui

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